sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Smells Like Fresh Tangerines

Se alguém decide fazer uma “versão” escrita da obra de um escritor isso é plágio ou então, apanhando levemente uma ideia, inventa-se uma nova estória para contar e passam a ser obras distintas. Fazer a versão de um texto cuidando de respeitar os seus direitos autorais cabe apenas às editoras onde compete transformá-lo por fora: mudar-lhe o tipo de letra, aumentar ou reduzi-la, alinhar o texto, alterar o espaçamento entre linhas, todavia, no final, vamos ler exactamente a mesma coisa. Por outro lado, vamos encontrar cenários díspares fruto da leitura, independentemente da estética impressa pelas palavras. Cada estória pode ser uma projecção diferente dependendo da compreensão de quem a lê e de que maneira a sente. Aliás, cada um coloca a sua consciência no lugar dos olhos. Por isso, reinterpretar uma estória para as massas passa por metamorfoseá-la sob a forma de outra arte, pode ser (por exemplo) a sua reprodução em filme. Nesse caso, os cenários são partilhados mas as coisas são distintas porque esquecendo a palavra escrita somos formatados para uma só interpretação – a filmada. E, em geral, baseamo-nos muito no que vemos e a margem para a invenção não é grande. Nem na arquitectura é possível partir do vazio para criar, ficamos condicionados pelas limitações de construção da engenharia e do tempo e, se olharmos da lua, (apetece dizer que) a vida parece estar constantemente balizada pela realidade. Projectar e conceber à risca os espaços sonhados seria como habitar as Cidades Invisíveis do Calvino. Só com os pés assentes no campo da música é possível abanar um limoeiro carregadinho de limões e dele colher tangerinas: na verdade, uma cover consegue muitas vezes, dependendo dos gostos, superar a versão original de uma canção.  


Além desta magnífica interpretação da Tori Amos (antagónica à abordagem de Lana Del Rey para o Heart Shaped Box), eu gosto especialmente de ouvir a versão de Stormbringer do Beck (relativamente à original de John Martyn) e a versão de Heartbeats (The Knife) interpretada pelo sueco José González:



Uma cover é uma indumentária nova à maneira do espírito que a veste. Na passerelle das canções, sempre que a voz muda (e com ela o estilo, os instrumentos, a própria cadência da fonte) são despertados necessariamente novos caminhos que podemos escolher seguir. Uma música pode tornar-se sensualíssima como escolheria (de entre milhares de versões de G. Gershwin) o Summertime vestido pelo trip-hop dos Morcheeba:


Existem inúmeros exemplos de covers que conquistaram lugares do pódio, destronando as versões originais (aqui: Top 10 Cover Songs - watchmojo.com). Nos tempos que correm, estão sempre a surgir novos exemplos que, mesmo não correspondendo a uma predilecção massificada, deleitam os fãs como a versão dos Linkin Park do Rolling In The Deep (Adele), ainda a interpretação de Landslide (Fleetwood Mac) pelo Antony Hegarty (depois da inesquecível versão dos Smashing Pumpkins), e a crítica tem sido generosa com outros, cujas carreiras estão a começar, como é o caso da Birdy depois do seu Skinny Love (Bon Iver) ou o fôlego novo do Wicked Game (Chris Isaak) pela voz da Beck Wood (Coves). Há ainda quem tenha a proeza de tornar quase irreconhecível o original como os Punch Brothers fizeram neste amagicado Kid A (Radiohead)mas muitas outras covers primam pela genialidade, como Somebody That I Used to Know (Gotye) dos Walk Off The Earth que, apesar da criatividade, não chega a todos, e o mais engraçado é que ainda se conseguiu fazer mais desta música numa espécie de remistura de várias interpretações (que até inclui a anterior): e esta é a - mais ou menos anónima - cover das covers:



No meio de tanto talento, continuam a cair tangerinas maduras do limoeiro mas já não tenho espaço para todas as etiquetas. 

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